PÍRAMO E TISBE - Contos da Mitologia Grega
Píramo era o mais belo jovem e Tisbe, a mais formosa donzela, em toda a
Babilônia, onde Semíramis reinava. Seus pais moravam em casas contíguas; a
vizinhança aproximou os dois jovens e o conhecimento transformou-se em
amor. Seriam venturosos se se casassem, mas seus pais proibiram. Uma coisa,
contudo, não podiam proibir: que o amor crescesse com o mesmo ardor no
coração dos dois jovens. Conversavam por sinais ou por meio de olhares, e o
fogo se tornava mais intenso, por ser oculto. Na parede que separava as duas
casas, havia uma fenda, provocada por algum defeito de construção. Ninguém a
havia notado antes, mas os amantes a descobriram. Que há que o amor não
descubra? A fenda permitia a passagem da voz; e ternas mensagens passaram
nas duas direções, através da fenda. Quando Píramo e Tisbe se punham de pé,
cada um de seu lado, suas respirações se confundiam.
— Parede cruel! — exclamavam. — Por que manténs separados dois
amantes? Mas não seremos ingratos. Devemos-te, confessamos, o privilégio de
dirigir palavras de amor a ouvidos complacentes.
Diziam tais palavras, cada um de seu lado da parede; e, quando a noite
chegava e tinham de dizer adeus, apertavam o lábio contra a parede, ela do seu
lado, ele do outro, já que não podiam aproximar-se mais.
De manhã, quando Aurora expulsara as estrelas e o sol derretera o
granizo nas ervas, os dois encontraram-se no lugar de costume. E então, depois de lamentarem seu cruel destino, combinaram que, na noite seguinte,
quando tudo estivesse quieto, eles se furtariam aos olhares vigilantes, deixariam
suas moradas, dirigir-se-iam ao campo e, para um encontro, iriam ter a um
conhecido monumento que ficava fora dos limites da cidade, chamado o Túmulo
de Nino, e combinaram que aquele que chegasse primeiro esperaria o outro,
junto de uma certa árvore. Era uma amoreira branca, próxima de uma fonte.
Tudo ficou combinado e os dois aguardaram, impacientes, que o sol se
escondesse sob as águas e que a noite delas se levantasse. Então, Tisbe ergueu-se, cautelosamente, sem sem ser observada pela família, cobriu a cabeça com um véu, caminhou até o monumento e sentou-se embaixo da árvore. Enquanto
estava ali sentada, sozinha, à luz difusa da noite, avistou uma leoa, que, com a
boca ensanguentada por uma presa recente, aproximava-se da fonte, para matar a
sede. Ao vê-la, Tisbe fugiu e refugiou-se numa gruta, deixando cair o véu
quando fugia. A leoa, depois de saciar a sede na fonte, virou-se para voltar aos
bosques, e, ao ver o véu no chão, investiu contra ele e despedaçou-o, com sua
boca ensanguentada.
Píramo, que se atrasara, aproximou-se, então, do local do encontro. Viu,
na areia, as pegadas da leoa e o sangue fugiu-lhe das faces. Logo em seguida,
encontrou o véu, dilacerado e cheio de sangue.
— Desventurada donzela! — exclamou. — Fui a causa de tua morte! Tu,
mais digna de viver do que eu, caíste como primeira vítima. Seguir-te-ei. Fui o
culpado, atraindo-te a um lugar tão perigoso, e não estando ali eu próprio para
guardar-te. Vinde, leões, dos rochedos e despedaçai com vossos dentes este
corpo maldito!
Apanhou o véu, levou-o até a árvore onde fora combinado o encontro, e
cobriu-o de beijos e de lágrimas.
— Meu sangue também manchará teu tecido — exclamou. E arrancando a
espada, mergulhou-a no coração.
O sangue esguichou da ferida, tingiu de vermelho as amoras brancas da
arvore, e, penetrando na terra, atingiu as raízes, de modo que a cor vermelha
subiu, através do tronco, até o fruto.
Enquanto isso, Tisbe, ainda trêmula de medo, e não desejando,
contudo, desapontar o amante, saiu cautelosamente, procurando o jovem com aflição, ansiosa por contar-lhe o perigo que atravessara. Ao chegar ao local e
vendo a nova cor das amoras, duvidou de que estivesse no mesmo lugar.
Enquanto hesitava, avistou um vulto que se debatia nas vascas da agonia.
Recuou, e um tremor percorreu-lhe todo o corpo, como a água tranqüila se
encrespa ao ser atingida por uma lufada repentina de vento. Logo, porém,
reconheceu o amante, gritou e bateu no peito, abraçando-se ao corpo sem vida,
derramando lágrimas sobre as feridas e beijando os lábios frios.
— Píramo, quem te fez isto? — exclamou. — Responde, Píramo! E tua
Tisbe quem fala. Sou eu, a tua Tisbe, quem fala. Ouve-me, meu amor, e ergue
esta cabeça pendente!
Ao ouvir o nome de Tisbe, Píramo abriu os olhos e fechou-os de novo. A
donzela avistou o véu ensanguentado e a bainha vazia da espada.
— Tua própria mão te matou e por minha causa — disse. — Também
posso ser corajosa uma vez, e meu amor é tão forte quanto o teu. Seguir-te-ei na
morte, pois dela fui a causa; e a morte, que era a única que nos podia separar,
não me impedirá de juntar-me a ti. E vós, infelizes pais de nós ambos, não
negueis nossas súplicas conjuntas. Como o amor e a morte nos juntaram, deixai
que um único túmulo nos guarde. E tu, árvore, conserva as marcas de nossa
morte. Que tuas frutas sirvam como memória de nosso sangue.
Assim dizendo, mergulhou a espada no peito.
Os pais ratificaram seu desejo, e também os deuses. Os dois corpos foram
enterrados na mesma sepultura, e a árvore passou a dar frutos vermelhos, como
faz até hoje.
Moore, na "Batalha da Sílfide", referindo-se à lâmpada de segurança de
Davy, relembra a parede que separava Tisbe de seu amante:
Seguro protetor,
Com que Davy rodeia, e que domina
O fogo destruidor.
Através da parede, a todo o instante,
Podem a Chama e o Ar,
Como podiam Tisbe e seu amante,
Se ver, mas não beijar.
Nos Lusíadas, há a seguinte alusão indireta ao episódio de Píramo e Tisbe
e à metamorfose das amoras, quando o poeta descreve a Ilha dos Amores:
Os dons que dá Pomona, ali natura
Produze diferentes nos sabores,
Sem ter necessidade de cultura,
Que sem ela se dão muito melhores;
As cerejas purpúreas na pintura;
As amoras, que o nome têm de amores;
O pomo, que da pátria Pérsia veio,
Melhor tornado no terreno alheio.
Se o leitor tem tão pouco coração que se disponha a dar algumas
gargalhadas à custa dos desventurados Píramo e Tisbe, terá oportunidade de
fazê-lo recorrendo à comédia de Shakespeare Sonho de uma noite de verão,
onde o episódio é apresentado de forma divertida.


Fonte: O Livro de Ouro da Mitologia - Thomas Bulfinch
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